segunda-feira, 21 de maio de 2012

Na milhar




Marcos Bezerra
do Novo Jornal

Mauritônio, agricultor disposto do sítio Beirada da Serra, tinha perdido a virgindade com uma jumenta. Ele e os outros meninos da zona rural, que mulher bulida era coisa difícil por aquelas bandas. A mão era a maior companheira de infortúnio. A inspiração vinha das meninas que tomavam banho em cercados feitos de folha de oiticica, no entorno das cacimbas. Dava pra ver quase nada, mas isso era mais que o suficiente. Já tardando na adolescência, fez o que todo rapaz fazia: juntou os trocados ganhos na apanha do feijão e foi para a zona.
Lá viu pela primeira vez Valquíria. Era uma cabrocha bonita e bem fornida, que caiu na vida depois que o marido buscou os caminhos do Sul e nunca mais deu notícias. Com dois bruguelos para criar, entrou na vida. Pouca gente sabia dessa história. Mauritônio era um deles. Pegou a moça numa noite de tristeza e algumas doses de conhaque. Nunca tinha conversado conversa de prumo com uma mulher. Gastou o pouco que tinha para conhecer o sabor de Valquíria. Satisfeito ficou, mas o tesão ganhou o acréscimo da paixão, que depois virou amor.
Das tantas vezes que passava no cabaré ia mais para puxar assunto que o dinheiro era escasso. Ele queria amor, ela queria dinheiro e a conta não fechava.
Sofria quando a amada ia fazer praça em outras cidades. Ela voltava, sabia. Num desses retornos, quase não a conhecia. O cabelo agora era estirado, cheio de “lúis”. Mais, Valquíria tinha botado peitos, empinados e grandes. “É silicóin, um tipo de prástico”, explicou. E mostrou, para encanto do rapaz. Uma, duas vezes. Não deixou pegar porque saliência só lá dentro.
Além disso, costurou de novo as partes. Coube ao banqueiro do Jogo do Bicho da região o privilégio de tirar-lhe a segunda virgindade. Arriada do primeiro ao quinto pelo branquicelo de olhos verdes, que avermelhava nas horas mais quentes do dia, fazia de conta que acreditava em suas promessas vazias. Mas o poder do dinheiro seduz e os gastos com os meninos, na casa de uma comadre na capital, não paravam de crescer.
Mauritônio contou os cobres, mas descobriu que o preço de sua doce Valquíria tinha aumentado, de vinte para cinquenta reais. No momento, ele não tinha tanto. Pediu a ela, em consideração, para guardar-lhe ao menos o gozo, que voltaria mais tarde, antes do fechamento da casa. – Logo hoje que Anchieta vem aqui? – Só hoje, guarde pra mim.
1837. O jovem tinha sonhado com a milhar. Era sonho forte para a rodada da noite. Já Valquíria, não resistiu aos encantos do bicheiro Anchieta – mais generoso naquele dia, porque a banca não tinha pago nenhum prêmio grande. Ia fingir o melhor dos gozos para Mauritônio.
O agricultor não apareceu. Envergonhado, passou com sua bicicleta pela rua de trás do bordel. Ia trabalhar para juntar dinheiro e conhecer o gosto de prástico do silicóin de Valquíria. Pela esperança que não morre, decidiu amarrar a milhar.


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