quinta-feira, 12 de abril de 2012

VERBO AD VERBUM

Menina de ouro.
Zenóbio Oliveira


A saleta da casa lotérica estava empanzinada com tanta gente. Era preciso perguntar mais de uma vez para descobrir onde era o rabo da fila, que serpenteava numa aglomeração atrapalhada. Duas atendentes pra dar conta desse povo e mais uma para os clientes preferenciais, que formavam uma fila menor, composta por idosos, grávidas, mulheres com crianças de colo, portadores de deficiência e, claro, alguns amigos da moça do guichê.
Na fila comum se contava, assim por cima, umas quarenta pessoas, na outra, umas dez.
Tem de tudo numa fila: tem a senhora que difama a falta de estrutura do lugar; tem sempre alguém lembrando a lei dos trinta minutos como prerrogativa popular; tem o amigo da pessoa da vez, com um carnê na mão, pedindo um favorzinho de última hora e tem aquele cara que, de quando em quando, tenta lhe confundir sobre qual seja seu verdadeiro lugar. Nesse dia um cidadão chegou a ganhar três posições e só não conseguiu a minha, porque na hora virei cavalo do cão e tive a solidariedade do rapaz a minha frente. VADE RETRO...
O que mais chamou a atenção, porem, foi uma mocinha de uns vinte e poucos anos que adentrou o recinto e foi direto para a fila preferencial, atraindo para si todos os olhares desconfiados. Nada lhe justificava a atitude. Jovem, aparência sã e um corpo de fazer inveja a juventude de Elizabeth Savala.
Sob olhadelas e buchichos, serena e altiva, não se descompôs e cinco minutos mais tarde estava na boca da cabina. Virou-se para a porta e acenou para outra mocinha que lhe entregou uma criança de uns quatro anos mais ou menos. Ela escanchou a menina no quadril e, com a ajuda da amiga retirou de um saco um punhado de papéis de água, luz e outras contas indistintas. Pagou, pôs a garotinha no chão e saiu olhando de canto para os bestas que estavam naquela formação pandemônica há mais de uma hora.
Vendo toda a facilidade e rapidez no atendimento àquela jovem que usou o jeitinho para obter uma espécie de permissão especial da lei, não contive o entusiasmo e gritei: Moça, me empreste a menina!

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