sábado, 17 de março de 2012

Vida boa que segue
Marcos Bezerra, do Novo Jornal


Semana passada eu era o homem mais feliz do mundo. Estava a caminho do sertão com promessa de chuva. Minha mulher confirmou o que escrevi. Disse que meus olhos brilhavam e um sorriso espontâneo aparecia sempre que falávamos da viagem, muito embora ela fosse durar menos de dois dias.
Saímos daqui no sábado debaixo de vendaval. Não fosse o risco da pista molhada somado à pressa nossa de cada dia, seria o melhor dos mundos. A chuva nos acompanhou além de Bom Jesus; o sereno até quase Tangará. Ainda pegamos duas pancadas de chuva antes de Currais Novos. Como previ, a vegetação da caatinga tinha vestido seu melhor verde.
Não choveu em Caicó e o retorno à infância, com um banho nas biqueiras da Rua Pe. Sebastião, ficou para a manhã do domingo. Combinei com um amigo de dar um pulo no Rio Seridó. Mas, acordei mais cedo do que o previsto com o desespero de nossa prima Lilia chamando; mamãe não estava bem. Encontramos dona Cícera deitada na cama, com o olhar perdido no mundo e sem nenhuma reação. A pressão chegou a 22 por 12. Lembrei meu pai. Seu Antonio morreu em 1986 no mesmo dia em que eu e meu irmão Neto chegamos de Natal. Chorei, pensando se minha mãe tinha me esperado.
Foram os homens do Corpo de Bombeiros - o Samu não chegou a Caicó - que levaram Ná Ciça, como a chamo carinhosamente, para o hospital. Assustada, numa cadeira de rodas e tentando reclamar da sorte. Logo ela que é o exemplo de hipocondria. Perdi a conta das vezes que mamãe nos pediu para levá-la ao pronto-socorro pois a hora dela tinha chegado. O hospital do Sesp tinha apenas um clínico geral e uma enfermeira de plantão. E minha mãe com suspeita de AVC. Enquanto tentávamos com o plano de saúde uma ambulância para transferi-la, preparava o espírito para o pior. Colei o rosto no dela e cheirei até não mais poder seus cabelos brancos. “Hum?” era tudo o que ela conseguia dizer. Mesmo medicada, não antes de fazermos uma consulta com um cardiologista pelo telefone, Ná Ciça só foi reagir quando chamei a atenção para o fato da enfermeira ser Nóbrega, e de Santa Luzia, na Paraíba, terra do pai dela. Mamãe desatou a conversar. “Vou fazer 38 anos semana que vem”, brincou invertendo os números.
Lembrei uma propaganda onde um cachorro começa a elogiar o carro do dono. Por que nunca falou antes? Estava sem assunto! Vai ver mamãe também estava. Arranjou e continuou falante na viagem até Natal. Veio ao meu lado, no banco do passageiro. No domingo, dormiu no hospital. De lá para cá já foi a não sei quantos especialistas. Apesar da suspeita de AVC, está bem. A prima escudeira Lilia, acha que foi milagre.
Ná Ciça liga para mim de vez em quando, para falar de coisas que já achei desimportantes. Não acho mais e dou toda a atenção possível. E é só uma retribuição. Ela sempre se despede dizendo que reza por mim todos os dias.

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