sexta-feira, 9 de março de 2012

CARTÃO-POSTAL
Fabiano Régis
            

            Era 1978. No final da tarde do dia 25 de agosto, podiam-se contar os raios de sol que iluminavam a pedra lisa da serra, a suntuosa torre da matriz e a palmeira-imperial de copa rala. O entardecer me pareceu único, festivo, combinando com a inauguração da primeira agência bancária daquela cidade de poucas ruas. Todo mundo estava lá, com suas roupas de missa. Não esperei os doces. Assim que a filarmônica entoou o hino nacional, fui para casa, pois já era noite. Uma noite que parecia ser de pouco sono... É que na manhã seguinte era a minha posse como “Menor Aprendiz”.                          O uniforme azul celeste, com um engomado especial, pernoitou intocável no encosto da cadeira, ofuscado pelo brilho dos meus sapatos pretos. O galo do meu quintal me despertou com falsete, e pelo furo da tramela eu vi o clarão do grande dia. Caminhei a passos largos para o novo: mobília, máquinas de escrever e calcular, cofre, moeda, gerente, subgerente, contrato, custódia e hipoteca. Abrem-se as portas da agência e não demorou muito para que cadeiras e sofás fossem ocupados, com futuros clientes. Sem conhecer a razão, surge um homem esguio, com voz de desprezo, apontando o dedo em minha direção:
- O que esse jaburu tá fazendo aqui? Eita bicho feio!
O dono da voz era um cidadão bastante conhecido na cidade, um misto de agricultor e comerciante. Diante daquela cena, arregalei os olhos, encarei o interlocutor em silêncio, tentando entender aquele absurdo. De volta para casa no fim do expediente, encontro a minha mãe, ansiosa pra saber das novidades. Em desabafo, falei do “episódio jaburu”. Minha mãe abraçou-me e, cheia de orgulho, falou:
- Você não sabe o quanto estou feliz em saber que você foi comparado a um jaburu! -Fiquei surpreso com a reação da minha mãe.
- Até você?!
- Essa ave, meu filho, é considerada um símbolo do pantanal. O nome científico é jabiru mycteria, ela tem penas brancas na cauda e asas e papo vermelho, contrastando com cabeça, bico, pescoço e pés negros, podendo chegar a um metro e sessenta de altura e até três metros de envergadura, de uma ponta da asa aberta à outra, sem falar no bico, que mede trinta centímetros! – Explicou-me mamãe.
O conhecimento em profundidade da minha mãe sobre essa espécie me fez entender que aquele homem, na mais completa ignorância, ao me achar feio e comparar a um “jaburu”, não estaria me desqualificando. Passado alguns minutos, ainda no aconchego dos braços da minha mãe, resolvi questioná-la:
- Onde foi que você viu um jaburu, para falar com tanta propriedade dessa ave?
- É que ontem pela manhã o carteiro me entregou um envelope que Júlia, minha prima, mandou do pantanal. Dentro do envelope tinha um cartão-postal, com a imagem de um jaburu, de beleza exuberante!
Hoje, quando vejo a expressão Jaburu, lembro-me da explicação de minha mãe e um sorriso desce dos lábios. Ah, se todos soubessem, como ela, o íntimo de uma palavra qualquer...

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