segunda-feira, 5 de março de 2012

Artigo

Alma sertaneja


Marcos Bezerra, do Novo Jornal


Quem faz uso da palavra escrita deve desconfiar de um tema recorrente. Ainda mais quando a idade começa a cobrar uma conta que fizemos sem querer. Tenho a impressão que estou voltando a um assunto que já desenvolvi antes, mas, vale a pena ser repetitivo quando em defesa do que acreditamos.


Até meus sei lá quantos anos, tinha o orgulho todo do mundo de morar na cidade que tinha o maior açude do Rio Grande do Norte. “O Itans tem seis léguas d’água”, cuspia para dar uma ideia do tamanho do reservatório. Depois construíram a barragem de Açu e outras, que transformaram o gigante de minha infância num reservatório mediano. Mas, preservei a admiração pelo açude, construído no lombo do jumento. Ele, que ajudou a consolidar Caicó como cidade polo do Seridó, guarda uma magia só explicada pela importância da água numa região onde ela é preciosa de tão escassa. Até a sangria, um tanto quanto sem graça diante das maiores que encontrei nas minhas matérias de invernada, ganha uma beleza ímpar quando os caicoenses vão quase em procissão ver de perto o que consideram um espetáculo, uma promessa de fartura.


Aí vem o Ibama determinado a tirar todos os clubes do entorno do Itans. Parece que todos eles foram embargados, incluindo o dos funcionários do DNOCS, órgão que administra o açude. É determinação do Ministério Público Federal, diz o superintendente do Ibama. Será que ele, ou quem determinou o embargo, tem ideia do tamanho do prejuízo que pode causar aos habitantes da região. Será que, sentados em seus gabinetes refrigerados, estes senhores têm ideia do tanto que o açude é importante para o povo do lugar como opção de lazer? Ou eles querem que fiquemos a 100 metros da margem do reservatório, medido quando ele está cheio, 200, 300 no período seco, olhando de longe a lâmina d’água que o sol se encarrega de evaporar, enquanto o mormaço e a poeira lambem nossos rostos?


Quando um cristão constrói na beira de um açude, tão na beira que quando o rio, de barreira à barreira, faz o reservatório transbordar e a água vai bater-lhe no batente, ele está prestando uma reverência. É quase como o fiel que chega ao altar e reza diante do santo de sua devoção. Que se façam as adequações, com sistemas de saneamento para preservar os reservatórios, mas querer acabar com essa tradição é pedir demais.


Ah! Agora tenho certeza que o tema é mesmo recorrente. Escrevi sobre, outro dia, reclamando de como iam ficar minhas manhãs/tardes sem um tucunaré frito com tomate e cebola, acompanhado de uma cerveja bem gelada, nas margens do bom e velho Itans. Pois é, ainda tinha o tucunaré. Os doutores que decidem preservar o que já tratamos como sagrado, podiam tirar um dia de lazer na beira de um açude. Iam entender que estão atentando contra uma instituição sertaneja.

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