quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Poesia

A greve do bispo contra a transposição
Do Rio São Francisco.

Corre a notícia por aqui, na vizinhança,
Que em Cabrobó, no sertão pernambucano,
Um bispo católico apostólico romano,
Um mensageiro da bem-aventurança,
Com a missão de pregar a esperança,
Ta isolado num canto de parede,
Definhando-se dentro de uma rede,
Jejuando numa tal greve de fome,
Contra um bem, que virá pra quem não come,
Não precisar também morrer de sede.

O bispo nos demonstra que essa igreja,
Que tem como política doutrinária,
A igualdade dos povos é contrária,
À redenção da vida sertaneja,
Sua atitude extrema apedreja,
As vidraças da ética do bem,
E os estilhaços que saltam mais além,
Vão ferindo de morte a boa-fé,
O sujeito não comer porque não quer,
Contra um povo que o faz porque não tem.

Pra entender a natureza desta ação,
Faz-se necessária a análise crítica,
A posição do bispo é política?
Ou em defesa ambiental da região?
Na verdade a atual situação,
Adquiriu o caráter do abjeto,
Deixando todo um povo inquieto,
Porque o ato dessa tal greve de fome,
Ganhou, na mídia louca, mais renome,
Que a discussão profunda do projeto.

É bem certo que a tal transposição,
Enfrenta a resistência dos “caciques”
Portanto esses tipos de chiliques,
Devem ser vistos sempre com atenção,
Porque enquanto o povo do sertão,
For tratado como é: a sub-raça,
Bebendo o amargo sobejo dessa taça,
Que os manda-chuvas têm a oferecer,
Com certeza pra sempre irá comer,
A lavagem da cuia da desgraça.

Os coronéis usarão, neste contexto,
Toda espécie de ardil, de artimanha,
Pra garantirem vantagens na barganha,
E manterem o sertanejo no cabresto,
A saúde do rio é um pretexto,
Pra esconder interesses diferentes,
Pois enquanto existirem indigentes,
O osso do poder dos coronéis,
Manterá proletários “cães fiéis”,
Cada vez mais subservientes.

Para esse antagonismo episcopal,
Não há nenhuma base da ciência,
Assim, portanto, é pura incoerência,
Esse tipo de atitude irracional,
O que o nordeste setentrional
Com seu povo não quer ver nesse mote,
É que a fome do dito sacerdote,
Comprometa a feitura dessa obra,
Pra que se possa ter água aqui de sobra,
Enchendo rio, barragem, açude e pote.

O que vai se tirar do São Francisco,
É somente um por cento do volume,
Então, meu Deus, por que tanto ciúme?
O Velho Chico não corre nenhum risco,
Essa água representa um lambisco,
Em relação à vazão de sua foz,
É preciso, então, folgar os nós,
Dessa corda de intriga e presunção,
Exterminar de vez essa ambição,
E não criar por aí falsos heróis.


Em outras regiões deste país,
Transposições já foram efetuadas,
Com vazões bem mais acentuadas,
De mais da metade da matriz,
E os rios não morreram D. Luis,
Ao contrário, continuam muito vivos,
Sem prejuízo algum para os nativos,
Derramando naquelas redondezas,
Águas promissoras de riquezas,
Que afogam projetos paliativos.

Não se nega um gole de cachaça,
Uma xícara de sal e um bom conselho,
Aprendi, quando ainda era fedelho,
Que a água também se dar de graça,
Mesmo sendo a última da cabaça,
Negá-la a quem tem sede o faz cruel,
Ainda que este seja um coronel,
Ou alguém por ele alienado,
Se um gesto assim não for pecado,
É porque não tem justiça lá no céu.

Zenóbio Oliveira

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